MATÉRIAS ESPECIAIS
Publicado em 03/01/2024
Cidades insustentáveis
Caros leitores,
Embora existam diversos esforços no sentido de tornar a vida nas cidades mais sustentável, abrangendo os aspectos ambientais, sociais e econômicos, o que observamos, na prática, são cidades progressivamente debilitadas, com um forte desequilíbrio econômico, com uma gestão ambiental limitada, desorganizadas e socialmente injustas.
A urbanização é um processo inerente ao desenvolvimento, mas, precisa haver um planejamento adequado e regras claras para o uso e ocupação do solo.
Para sermos mais coerentes, estamos falando de expansão e adensamento da área urbana, sim, porque as cidades já existem, ou seja, as cidades, especialmente as capitais, são caracterizadas, fundamentalmente, por dois processos ativos:
(1) Expansão (ampliação da área ocupada)
(2) Adensamento urbano (verticalização).
Ocorre que, ambos os processos possuem algumas necessidades que podemos classificar como primárias (Figura 1), para se estabelecerem, são elas:
Recursos Financeiros: elevado investimento em infraestrutura urbana (mobilidade, saúde, segurança, habitação, lazer, telecomunicações, etc.)
Recursos Naturais: abastecimento de água, saneamento básico, disponibilidade de alimentos, fornecimento de energia + Insumos: Cimento, areia, madeira, aço, brita, etc.
Gestão de resíduos: disponibilidade de aterros sanitários (combate aos lixões, logística reversa)
Uso e Ocupação do Solo: respeitar o zoneamento estabelecido com fiscalização rigorosa.
Observem que são os cidadãos que sustentam as necessidades básicas dos processos da urbanização estão sobrecarregados de impostos e taxas. Isso faz com que haja um desequilíbrio social muito grande e o crescimento desordenado das cidades começa a provocar a escassez de insumos ba
Para termos uma ideia, o abastecimento de água na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), segundo o Atlas Águas (2021), é composta por 39 municípios. Toda complexidade inerente ao seu suprimento de água decorre do elevado contingente populacional que abriga, tendo a capital, São Paulo, população urbana de 12,4 milhões de habitantes (57% do total), e do fato de estar localizada em área com baixa disponibilidade hídrica. A solução de suprimento de água diante de tal cenário exige a importação de água de bacias adjacentes, como ocorre no Sistema Cantareira, com contribuição de 33 m³/s. Quase a totalidade das demandas atuais de abastecimento de água é atendida pelo Sistema Integrado da Sabesp, que se compõe de nove sistemas. Entretando, a avaliação desses sistemas produtores mostrou que todos requerem ampliações ou melhorias que assegurem o abastecimento de água para a Grande São Paulo nos horizontes considerados, entretanto, somente o ribeirão da Estiva apresenta manancial vulnerável.
A Figura 2 ilustra os sistemas integrados de abastecimento da RMSP. (clique na figura para ampliá-la, ou Clique aqui para baixar o arquivo em PDF.
Outro parâmetro importante no crescimento urbano, é o consumo de cimento, veja o Gráfico 1.
EXPANSÃO URBANA
Como forma de demonstrarmos a expansão urbana, buscamos como exemplo, uma área próxima ao Rodoanel Mário Covas (SP-31) no Município de Embu das Artes na RMSP.
Observando a Figura 3, podemos verificar, claramente, as áreas ocupadas pelo avanço das construções.
Observem que em 12 anos houve uma expansão significativa da área ocupada, inclusive, é possível notar, na Figura 4, que as ocupações estão avançando sobre a Zona Especial de Interesse Ambiental (ZEIA)
Art. 74 – Os objetivos da Zona de Especial Interesse Ambiental são:
I – preservar os recursos naturais e paisagísticos existentes, especialmente hídricos;
II – estimular atividades econômicas que não prejudiquem o meio ambiente;
III – conter a expansão urbana para o interior da Área de Proteção aos Mananciais de interesse metropolitano e,
IV – formação de maciços vegetais em áreas privadas através do incentivo à compra de área para preservação e/ou recuperação da vegetação nativa mediante averbação registrária
ADENSAMENTO URBANO
Para demostrar o processo de adensamento urbano, selecionamos uma quadra representada na Figura 5, entre a Rua Thomás Carvalhal e Rua Said Aiach, pelo fato desta quadra estar fora do raio de 600 metros previstos no Plano Diretor da cidade de São Paulo.
Na quadra (Figura 5), havia cerca de 25 casas e um edifício de 12 andares com 2 aptos/andar. Em nossa hipótese, se cada imóvel tivesse uma família de 4 pessoas, a população na quadra seria de 196 pessoas.
Com a substituição 18 casas pela construção de 3 edifícios de alto padrão, a população da quadra passou a ser de 540 pessoas, ou seja, um acréscimo de 112,24% em uma quadra. Sem considerar que as casas remanescentes se tornam pontos comercial, ou seja, o fluxo de pessoas aumenta consideravelmente. Observe que, em nossa hipótese, os 72 moradores das 18 casas demolidas foram morar em outro local, caso contrário, seriam 612 pessoas, um acréscimo de 212,24%.
Na proposta do Projeto de Lei nº 272/15 a quadra que observamos, está em uma ZEU, cuja definição ficou:
Art. 7º As Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU) são porções do território destinadas a promover usos residenciais e não residenciais com densidades demográfica e construtiva altas e promover a qualificação paisagística e dos espaços públicos de modo articulado com o sistema de transporte público coletivo, subdivididas em:
I – Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU): zonas inseridas na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, com parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo compatíveis com as diretrizes da referida macrozona;
…
III – Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Previsto (ZEUP): zonas inseridas na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, com parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo compatíveis com as diretrizes da referida macrozona e com a perspectiva de ampliação da infraestrutura de transporte público coletivo;
…
Agora, imaginem a dimensão desses números nas quadras dos bairros onde o adensamento urbano já é uma realidade. Ao passo que, o Poder Público não consegue acompanhar o crescimento urbano, na velocidade em que ele acontece. Serviços como transporte, saúde, segurança, educação, estão sempre atrasados e são de péssima qualidade.
Adicionalmente, algumas das necessidades inerentes aos processos de crescimento urbano, são deficitárias porque o Poder Público não tem controle sobre elas, por exemplo os ligados ao Saneamento Básico: abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e drenagem urbana.
É preciso ficar bem claro, que as cidades são como “Células Urbanas”, ou seja, há interação constante entre a infraestrutura e as pessoas. Nada, e nenhum processo acontece de forma isolada. Cabe ressaltar que o “corpo” é o país e as cidades são as células, que, obviamente, interagem com cidades vizinhas, isto é, as cidades influenciam direta e indiretamente na gestão das cidades vizinhas.
Diante disso, conforme ilustramos anteriormente (figura 1) quem sustenta a “Célula Urbana” é a população, por meio dos impostos e taxas. Entretanto, cada vez mais uma grande parcela desses cidadãos, não consegue suportar a carga tributária definida pelos governos. Então, migram para a informalidade e passam a morar em aglomerados subnormais[1] (Favelas).
No Município e São Paulo, podemos dizer que as AGSN são os Assentamentos Precários (Núcleo, Favela, Cortiço e Loteamento Irregular), o IBGE estima que 12,91% das habitações são AGSN.
As AGSN se estabelecem muito rapidamente e se desenvolvem ao longo dos anos, observem a Figura 8. Mesmo que haja algum impedimento à expansão, o adensamento das AGSN é inevitável.
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[1] Segundo o IBGE: Aglomerado Subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação.
Na proposta do Projeto de Lei nº 272/15 a definição ficou:
Art. 12. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são porções do território destinadas, predominantemente, à moradia digna para a população de baixa renda por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como à provisão de novas Habitações de Interesse Social – HIS e Habitações de Mercado Popular – HMP, a serem dotadas de equipamentos sociais, infraestrutura, áreas verdes e comércio e serviços locais, situadas na zona urbana
Observe que, para a implantação das ações propostas pela Prefeitura, existe a necessidade de um item básico e absolutamente escasso, ESPAÇO, ou seja, nenhum projeto poderá ser implementado, sem que áreas adjacentes sejam desapropriadas ou, as pessoas teriam que mudar de localidade, o que, na maioria dos casos, é inviável para a comunidade.
Com isso, as distorções vão aparecendo com o aumento do desemprego que gera informalidade, que por sua vez, favorece o contrabando que fortalece as organizações criminosas. A população sem-teto também cresce em função da falta de moradia de baixo custo. As pessoas deixam de ser assistidas pelo Estado, ou a assistência é precária. A infraestrutura urbana não é suficiente para atender toda população.
Outro fator preponderante, é a tendência da privatização dos serviços públicos, ou seja, isso só aumenta a ausência do Estado para as pessoas que mais precisam.
O resultado desse desequilíbrio social, nos leva a crer que as cidades, no ritmo atual, a médio prazo, se tornarão insustentáveis.
Diante do que apresentamos aqui, para tentar mitigar o processo de “degradação urbana” é necessário agir. Entretanto, as ações dependem de profundas mudanças políticas e econômicas de difícil implementação, mas, absolutamente necessárias. Dependem, também, de reavaliação dos conceitos urbanísticos atualmente praticados como, por exemplo, as “ilhas das fantasias”, constituídas por grandes empreendimentos comerciais e residenciais que buscam oferecer a “segurança” que as famílias desejam.
Para visualizar melhor essas mudanças, destacamos cinco (5) Áreas de Atuação que consideramos essenciais à reversão do atual cenário de “Degradação Urbana”.
Obviamente, cada um tem um entendimento diferente sobre quais áreas seriam as prioritárias. Entretanto, o mais importante é que haja uma convergência no sentido de frear o atual processo de Degradação Urbana.
Cabe ressaltar que não há uma fórmula mágica.
Todos sabemos que mudanças como essas levam muito tempo para acontecer, porém, não podemos ficar parados esperando. Utilizando as ferramentas que temos hoje, VOCÊ deve ser o agente transformador em seu bairro sua escola, enfim, em todos os lugares que frequenta, mesmo em suas férias.
Como VOCÊ pode ajudar? Veja alguns exemplos:
1º Respeite as leis: por exemplo, seja um motorista consciente e prudente. (respeite os limites de velocidade! / dê preferência ao pedestre)
2º Ao avistar um local de descarte irregular de entulho: comunique à Prefeitura com protocolo. (mesmo que VOCÊ não more lá!)
3ª Ao perceber uma Luz apagada na rua: acione o órgão responsável. (mesmo que VOCÊ não more lá!)
4º Ao notar um vazamento de água na rua: comunique a concessionária. (mesmo que VOCÊ não more lá!)
5º Viu insetos e ratos na rua: informe à Controle de Zoonoses do sua cidade
6º Combata a Dengue
7º Evite desperdiçar água
Podemos dizer que esta lista é quase infinita.
Procure ser um cidadão e uma cidadã mais participativo. O mais importante em tudo que buscamos debater neste artigo, é VOCÊ, isso mesmo, só VOCÊ pode contribuir com sua experiência e vivência, nos processos de transformação urbana no seu bairro.
Lembre-se, quem paga a conta é VOCÊ!
Agora, É Com Você!
Abraços!
Engº Ricardo Ribeiro.
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